O mormo é uma doença silenciosa que atinge cavalos. O número de casos vem aumentando no Brasil. Para identificar a doença nos animais dois exames são recomendados pelo
Ministério da Agricultura, mas eles estão sendo questionados na justiça por um criador de Jundiaí, em São Paulo.
O criador Marcelo Malzone já perdeu a conta de quantos títulos os cavalos dele ganharam em competições no Brasil e no exterior. Há 40 anos ele cria animais da raça brasileiro de hipismo em Jundiaí, em São Paulo.
Ele vende embriões e potros, mas há um ano, nenhum cavalo entra ou sai da propriedade, que está interditada por ser considerada um foco de mormo. Quatro animais tiveram que ser sacrificados.
“Meu prejuízo foi de um milhão, dos próprios animais, mais todos o resultados que esses animais dariam ao longo de todos esses anos com venda de embriões”, declara Malzone.
A doença não tem tratamento. Os animais infectados têm que ser sacrificados. O mormo é causado pela bactéria Burkholderia mallei e atinge os cavalos, jumentos, burros e mulas.
Os sintomas são febre alta, tosse e secreção nasal. Podem aparecer também nódulos no nariz e nos pulmões dos animais, além de feridas nos membros. A transmissão acontece através de secreções dos animais doentes que contaminam principalmente os bebedouros. O mormo é uma zoonose, ou seja, pode ser transmitido ao homem. Tanto em animais quanto em humanos pode levar à morte.
Desde que teve a propriedade interditada, Marcelo Malzone vem travando uma batalha judicial. Ele questiona os exames utilizados pelo Ministério da Agricultura. “Dos animais que apresentaram resultado positivo nos exames, nenhum apresentava sintoma. O problema não é do sacrifício. Agora, você não pode sacrificar um animal que não tem nada”, afirma o criador.
O teste que identifica o mormo é chamado de "fixação de complemento" e detecta os anticorpos contra a doença no soro do animal. Ele é o recomendado pela Organização Mundial de Saúde Animal. Quando o resultado é positivo ou inconclusivo, deve ser feita uma contra-prova - o teste de maleína.
Para o veterinário da propriedade, o primeiro teste, o de fixação de complemento, não é preciso.
“Ele pode estar contaminado com alguma outra bactéria, que faça com que tenha essa produção de anticorpo, mas não significa que o animal está contaminado com a bactéria do mormo em si. Então a produção de anticorpo vai ser feita pelo animal, o exame vai detectar esse anticorpo, mas isso não caracteriza o animal com a bactéria”, explica Werner Riekes, veterinário.
Uma das éguas da propriedade, que é reprodutora, já passou por três baterias de exames junto com todo o plantel. Nos dois primeiros, o resultado foi negativo, mas no último exame, deu positivo para mormo.
Ela deveria ser sacrificada, mas Marcelo Malzone chegou a conseguir na justiça uma liminar para fazer outro teste de contraprova no exterior, em vez do exame de maleína. “No sentido de poder fazer o exame de PCR, que é o único exame que de fato identifica a bactéria mallei, que é bactéria do mormo”, afirma.
Depois que o Globo Rural entrevistou o criador, a liminar foi derrubada. A coordenadoria de defesa agropecuária de São Paulo informou que vai fazer os procedimentos necessários para sacrificar o animal. A produção do programa tentou novamente um contato com Marcelo Malzone, mas ele está fora do país, e a família ainda não sabe dizer quais serão os próximos passos.
Casos de mormo também foram notificados no regimento de Polícia Montada Nove de Julho, em São Paulo. O batalhão ficou interditado por oito meses. Vinte e dois cavalos foram sacrificados, 17 só no mês de fevereiro.
“Um animal que estava com seu policial há cinco ou seis anos de trabalho, é como se fosse um filho, então, quando chega a notícia que eu vou ter que sacrificar um, dois, dezesseis animais, realmente é impactante”, declara o tenente Rafael Silva Gouveia.
Os cavalos abatidos na Polícia Militar de São Paulo também não tinham sintomas da doença. “Começou com o teste da fixação de complemento, que é um exame de sangue, e a complementação deste teste com o exame da maleína. Este teste é muito contestado, não só aqui. Depois que começamos a passar pelo problema vimos que no Brasil esse teste é muito contestado”, conta o tenente.
A interdição só acabou depois que todos os cavalos passaram por duas rodadas de exames de mormo com resultados negativos. Pra entender como é feito o diagnóstico do mormo, o Globo Rural esteve em um dos laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura em São Paulo.
Todos os dias amostras de sangue vindas de todo o país chegam principalmente pelo correio. São feitos em média três mil testes de fixação de complemento por mês. O resultado sai em 24 horas.
A veterinária Claudia Kerber, responsável pelo laboratório, defende o exame. “Todos os testes tem limitações. O teste de fixação de complemento é um teste famoso, porque ele não dá falso positivo. Falso positivo aqui nesse laboratório é um falso positivo pra cada cinco mil exames. O defeito é que ele deixa passar alguns animais que são positivos e que o exame não detecta”, declara.
A veterinária afirma ainda que o teste não dá reações cruzadas com outras bactérias e explica por que muitos cavalos sacrificados não tem sintomas de mormo. “Você olhar para o cavalo e saber que ele tem mormo, não é uma coisa muito comum. Dificilmente você vai ver um cavalo adoecer e morrer rapidamente. O que acontece é que o cavalo geralmente desenvolve o que a gente chama de doença na forma crônica. Ele fica tendo alguns sintomas tipo, uma febre, alguma coisa que se assemelha a uma gripe, alguma pneumonia que foi tratada. Ele permanece um tempo bem e dali um tempo ele tem de novo aquele sinal”, informa.
Em
Brasília, Egon Vieira da Silva, chefe da divisão de sanidade dos equídeos do Ministério da Agricultura diz que o teste de fixação de complemento vai continuar a ser usado para identificar os casos de mormo. Mas anuncia que em breve, o exame de contra prova, o de maleína, será substituído.
O Ministério tem procurado técnicas com maior sensibilidade, especificidade. Provavelmente sendo substituído numa revisão da norma, a ser publicado até final de maio deste ano agora, pela técnica de western blotting. Que é uma metodologia muito mais sensível para o diagnostico do mormo.
Enquanto a mudança não acontece, a preocupação é com o controle da doença. Antes só registrada no nordeste agora também atinge estados no Norte e no Sudeste. O número de casos vem crescendo. Em 2012, foram 76; no ano passado, 114.
“O problema é que o equídeo ele circula, principalmente equídeo de esporte, circula no Brasil inteiro, e existe um aumento muito grande desses esportes com este tipo de animal. O que se exige hoje é que onde tem aglomeração de equídeos, é que todos animais participantes tenham um resultado negativo de teste de fixação para o mormo. A forma que a gente tem de minimizar a propagação da doença”, diz. A doença só é transmitida para os humanos quando há contato direto com feridas ou secreções. Por isso, é importante usar luvas para tratar de animais com suspeita de mormo.