Corais da Amazônia encontrados sobre o petróleo
Nádia Pontes
/6 SLIDES © Greenpeace
UM RECIFE IMPROVÁVEL
Uma missão científica percorre a
costa norte do Brasil até a Guiana Francesa. Cientistas brasileiros da UFPA,
UFRJ, USP e UENF pesquisam os corais da Amazônia, praticamente desconhecidos da
ciência. Eles formam o maior recife do Brasil, são encontrados de 70 metros a
220 metros de profundidade e têm potencial de abrigar novas espécies.
Escondidos no fundo
do Oceano Atlântico, numa das regiões de correnteza mais fortes do mundo,
corais da Amazônia foram localizados em uma área que pode, a qualquer momento,
ser liberada para a exploração de petróleo. A descoberta foi feita por
pesquisadores brasileiros a bordo do navio Esperanza, cedido pelo Greenpeace
para a missão científica.
Pesquisadores
buscam evidências numa faixa da costa norte do Brasil, próxima ao Amapá e ainda
sob influência das águas que o rio Amazonas despeja no mar. É exatamente ali
que a empresa francesa Total aguarda licença do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para extrair petróleo.
"Pela primeira
vez, obtivemos imagens da área com um robô. Encontramos recifes na porção mais
rasa dos blocos de onde se quer extrair petróleo", afirma Ronaldo
Francini-Filho, pesquisador da Universidade Federal da Paraíba (UFPA).
"Tem área de petróleo aqui que está embaixo das áreas de recife. Isso a
gente não pode deixar de considerar."
Inicialmente,
estimou-se que os corais da Amazônia ocupassem uma área de 9,5 mil quilômetros
quadrados, mas o cálculo mais recente indica que seu tamanho seja mais de cinco
vezes maior. "O recife tem em torno de 56 mil quilômetros quadrados.
Portanto, é o maior recife do Brasil e um dos maiores do mundo", disse
Fabiano Thompson, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
também a bordo do navio.
Os recifes cobrem,
portanto, uma área submersa maior que o estado do Rio de Janeiro, habitada por
mais de 40 espécies de corais, 60 de esponjas – metade provavelmente ainda
desconhecida –, 70 espécies de peixes, lagostas, estrelas-do-mar. A região
também é refúgio de peixes que já desapareceram da costa brasileira, como o
mero. Os detalhes dessa descoberta serão publicados num artigo científico nas
próximas semanas.
A expedição a bordo
do Esperanza, iniciada em 2 de abril, entrava no sexto dia quando o novo alvo
foi identificado. Enquanto um robô especialmente trazido para a missão
científica –equipado com três câmeras e um sistema de coleta de água e material
– atingia profundidade, as imagens eram exibidas em duas telas instaladas na
popa do navio.
Depois de uma detalhada
análise e longos debates, os pesquisadores confirmaram: os corais da Amazônia
cobrem também exatamente o local considerado nova fronteira petrolífera, na
Bacia da Foz do Amazonas.
A faixa de recifes
está localizada entre 70 e 220 metros de profundidade na costa ao longo dos
estados de Maranhão, Pará e Amapá. Até então, os livros diziam que corais não
cresciam perto da foz de grandes rios, onde a água doce chega ao mar carregada
de lama, é mais escura e impede a entrada a luz – fonte usada pelos corais para
produzir alimento.
Um mundo improvável
e desconhecido
© Greenpeace Recife
amazônico abriga mais de 40 espécies de corais, 60 de esponjas 70 de peixes,
além de lagostas e estrelas-do-mar
A jornada dos
pesquisadores brasileiros em busca do improvável recife de corais começou em
2011. Mais tarde, missões científicas fizeram a coleta de dados no local. Os
resultados surpreenderam o mundo num artigo publicado em 2016.
"Exatamente
porque o acesso é tão difícil e as condições oceanográficas aqui são tão duras
é que a gente sabe pouco sobre esse lugar", comenta Francini-Filho sobre o
impacto da descoberta.
As primeiras
imagens dos corais da Amazônia foram registradas em 2017, numa viagem de
submarino realizada com apoio do Greenpeace. "O pouco do conhecimento que
a gente tem dessa região já indica que realmente é uma área extremamente rica,
sensível à exploração de petróleo", complementa o pesquisador, estimando
que se conheçam apenas 5% da vida que o recife abriga.
Com o anúncio que
surpreendeu a ciência, diante da iminência da chegada de plataformas para
retirada de petróleo nessa parte do Atlântico, a conservação dos corais da
Amazônia se transformou numa campanha mundial do Greenpeace.
Corais sobre o
petróleo
A atual expedição,
que deve se estender até maio, exigiu mais de um ano de planejamento, obteve
autorização do governo brasileiro, e custou 700 mil euros – montante que veio
dos doadores que mantêm o Greenpeace.
"É urgente a
campanha, é urgente essa pesquisa cientifica que nós fazemos aqui pra provar
que é mesmo um novo bioma, único no mundo, pouquíssimo conhecido pela
ciência", argumenta Thiago Almeida, representante da Campanha Defenda os
Corais da Amazônia.
Um vazamento de
petróleo traria danos irreparáveis, argumenta Almeida. "Além disso, esse
petróleo chega mais perto da costa e dos rios brasileiros na Amazônia, região
com um dos maiores mangues do planeta. Estamos falando de uma ameaça a diversas
populações de pescadores, extrativistas, ribeirinhos e povos indígenas."
Thompson vê grande
potencial nas pesquisas. "Esse recife é considerado uma farmácia
submarina. Ele pode se reverter em divisas para nosso país, se conseguirmos
desenvolver a biotecnologia marinha a partir da biodiversidade que ele abriga,
e gerar moléculas bioativas para novos medicamentos para tratar doenças como
câncer, viroses, doenças infecciosas", explica o pesquisador da UFRJ,
citando iniciativas já em andamento em países na Europa, Estados Unidos e Japão.
Últimos passos
antes da exploração
O processo de
licenciamento para exploração de petróleo no local pela francesa Total e a
britânica BP estão em suas etapas finais. O Ibama informou que o processo
conduzido pela Total está em estágio mais próximo de decisão.
Os blocos para
exploração foram adquiridos em 2013, num leilão da Agência Nacional de
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Estima-se que a região da Bacia
da Foz do Amazonas armazene até 14 bilhões de barris de petróleo.
Questionada pela DW
Brasil, a Total não respondeu se sabia da existência dos corais sobre a região
que pretende explorar e se manifestou por meio de nota. "A Total
respondeu, em janeiro, ao último parecer técnico do Ibama em relação ao Estudo
de Impacto Ambiental da atividade de perfuração de poços que a empresa prevê
realizar nos blocos que opera na Bacia da Foz do Amazonas. A empresa no momento
aguarda um posicionamento do órgão, no âmbito do processo de licenciamento
ambiental que está em curso."
Os pesquisadores
esperam que a ciência seja levada em conta na decisão. "Com base no
conhecimento que temos até agora, a exploração de petróleo aqui será realmente
uma tragédia, caso ela ocorra. Porque a gente conhece muito pouco disso que
estamos chamando de megabioma: uma região da Floresta Amazônica conectada com o
segundo maior rio do planeta e um dos maiores recifes do mundo", opina
Francini-Filho.