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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017
Fotógrafo faz registro raro de tribo isolada em floresta no Acre; veja imagens
Caio Quero e Felipe SouzaDa BBC Brasil em São Paulo
22 dezembro 2016
O céu escureceu e uma forte chuva obrigou o helicóptero que sobrevoava uma floresta no Acre a pousar. O temporal demorou para passar e a tripulação decidiu voltar ao ponto de partida antes de escurecer.
A chuva frustrou a viagem, mas proporcionou um registro raro e histórico de uma tribo indígena isolada, próximo à fronteira com o Peru. "É como achar uma agulha no palheiro. Pura sorte", definiu o fotógrafo Ricardo Stuckert.
A BBC Brasil teve acesso a parte dos registros feitos por Stuckert no último domingo. Ele viajava para a aldeia Caxinauá (também no Acre), onde faria uma sessão de fotos para o livro Índios Brasileiros.
A obra vai documentar a rotina de 12 tribos brasileiras e será lançada no dia 19 de abril de 2017 - Dia do Índio.
Um dia após a publicação dessa reportagem, a Funai se manifestou sobre o tema criticando a maneira que classifica como 'invasiva' com a qual as fotos foram feitas.
"A reportagem demonstra desrespeito aos povos indígenas isolados ao expor publicamente indígenas que se mantêm em isolamento por decisões próprias. (...) Os efeitos de uma violência simbólica desse nível são social e culturalmente imensuráveis", afirmou, por meio de nota.
Mas ele estava acompanhado do experiente sertanista José Carlos Meirelles, que trabalhou para a Fundação Nacional do Índio (Funai) durante 40 anos, e a dupla resolveu investigar uma área da mata com mais calma.
"Depois da chuva, a gente voltou e viu umas malocas feitas de palha. A gente estava voando muito rápido, mas vimos plantações e decidimos voltar. Encontramos a tribo e eu comecei a fotografar", relata o fotógrafo.
Ao identificar uma possível ameaça, os índios reagiram. Os olhares de surpresa e raiva contra o helicóptero foram registrados pelas poderosas lentes de longo alcance de Stuckert. A tribo atirou dezenas de flechas na tentativa de afastar a aeronave, que sobrevoou a região durante sete minutos.
O próprio Meirelles avalia o voo como algo invasivo à comunidade isolada. "É um registro importante, mas é uma certa agressão. Por isso, a gente toma o cuidado de não voar baixo para não assustar tanto. Por outro lado, o mundo precisa saber que eles existem e que precisamos de políticas para conservá-los", disse Meirelles, que demarcou áreas de tribos isoladas durante os 20 anos que trabalhou na região.
Ele estima que a tribo, identificada apenas como "Índios do Maitá", por estar próxima ao rio de mesmo nome, é composta por cerca de 300 pessoas. O número, segundo ele, é bem grande para uma aldeia isolada.
Algodão
Segundo o sertanista, não há nenhum relato ou documento de aproximação dessa tribo com povos civilizados e até mesmo outros grupos.
Após o sobrevoo e uma primeira análise das fotos de Stuckert, José Carlos Meirelles identificou detalhes que revelam alguns costumes dos índios isolados.
"As mulheres usam uma saiota e eles têm plantações de algodão. São sinais de um povo que tece e fia. Parte deles também possui um cabelo incomum: careca até a metade da cabeça e comprido da metade para trás", relatou.
O sertanista afirmou que os índios são mais altos que a média e os homens amarram o pênis a uma espécie de cinta. O especialista também identificou que a tribo planta milho, banana, mandioca e batata.
O grupo fotografado vive numa área de 630 mil hectares onde estão três reservas indígenas: Kampa Isolados do Envira, Alto Tarauacá e Riozinho do Alto Envira. O sertanista disse que, apesar do completo isolamento, a localização aproximada da tribo já era conhecida.
Nas fotos, não foram identificados objetos ou características que possam ter sido influenciadas ou levadas a eles por outros povos.
Um dos fatores apontados pelos especialistas para a sobrevivência da tribo é o fato dela estar localizada numa região de difícil acesso de madeireiros, garimpeiros e seringueiros.
Emocionante
Stuckert, que trabalhou como fotógrafo da Presidência da República durante oito anos e tem 28 anos de experiência na profissão, disse que o registro dos índios está entre "os mais emocionantes" de sua carreira.
"Eu gostaria de voltar lá, mas acho que a gente não pode ter contato. Precisamos preservar isso e quero que as minhas fotos mostrem que a gente tem que mapear tudo o que está perto e protegê-los para que não tenham problemas externos", afirmou.
O fotógrafo disse ter ficado "maravilhado" por registrar pela primeira vez na sua carreira uma população que nunca teve contato com uma população isolada.
O sertanista José Carlos Meirelles também demonstra felicidade por ter visto os índios isolados, mas se disse preocupado com o possível avanço do desmatamento e de seringueiros.
"Fiquei muito feliz em saber que estão bem. Foi muito bom ver que eles têm um roçado e estão no seu espaço. O problema é que ninguém sabe até quando."
Funai
Leia a íntegra da nota da Funai sobre as fotos.
"Primeiramente, a reportagem demonstra desrespeito aos povos indígenas isolados ao expor publicamente indígenas que se mantêm em isolamento por decisões próprias. O teor invasivo do sobrevoo e, consequentemente, das fotografias pode ser percebido no semblante de terror dos indígenas e na postura de ataque ao empunhar arcos e flechas contra a aeronave, conforme registrado na própria reportagem. Os efeitos de uma violência simbólica desse nível são social e culturalmente imensuráveis.
A instituição refuta argumentos que defendem que esse tipo de trabalho pode, de alguma maneira, contribuir para a defesa dos povos em questão, uma vez que atende somente aos interesses de venda de notícias sensacionalistas, não segue estratégias de proteção territorial e se omite diante dos direitos dos povos indígenas. Prova disso é o fato de que o trabalho foi realizado à revelia dos trâmites necessários ao controle de acesso a Terras Indígenas, inexistindo autorização de ingresso ou observância do direito de imagem, o que configura violação de direitos fundamentais preconizados na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
A legislação indigenista tem mecanismos de proteção aos povos indígenas isolados e de recente contato, de maneira que a Funai tomará providências para a devida responsabilização dos autores e envolvidos, assim como para o resguardo dos povos indígenas em questão."
Como a geografia e a economia do lugar onde nascemos influencia o modo como vemos o mundo
David RobsonBBC Future29 janeiro 2017
Quando o agrônomo americano Horace Capron viajou pela primeira vez até Hokkaido, a segunda maior ilha do arquipélago japonês, em 1871, ele procurava por um sinal de vida humana nas imensas pradarias, clareiras arborizadas e ameaçadoras montanhas da região.
"A quietude da morte reinava sobre a magnífica paisagem", escreveria mais tarde.
Das grandes diferenças entre Ocidente e Oriente, à variação sutil entre cada um dos Estados americanos, está ficando cada vez mais claro que a história, a geografia e a cultura podem influir na forma como pensamos de maneira sutil e surpreendente - e até na nossa percepção visual.
Nosso pensamento pode ter sido moldado pelas sementes que nossos antepassados cultivaram e um único rio pode marcar as fronteiras entre dois estilos cognitivos diferentes.
A conquista do Norte
"Nenhuma folha se agitou, não havia o som de nenhum pássaro ou coisa viva", escreveu Capron.
Hokkaido, acreditava ele, era um lugar saído da Pré-História.
Assim era a fronteira do Japão - uma espécie de versão do Oeste Selvagem americano.
A ilha mais ao norte do arquipélago, Hokkaido, era distante, separada da ilha de Honshu por um mar agitado.
Os viajantes que ousavam fazer a travessia tinham de enfrentar um inverno violento, a paisagem vulcânica e a vida selvagem.
Por isso o governo japonês deixou a região nas mãos dos indígenas Ainus, que viviam da caça e da pesca.
Isso mudaria em meados do século 19: temendo a invasão russa, o país decidiu ocupar as terras do norte e convocou antigos samurais para se instalarem em Hokkaido.
Logo outros grupos seguiram para lá. Surgiram fazendas, portos, estradas e ferrovias por toda a ilha.
Agrônomos americanos como Capron foram chamados para orientar os novos colonizadores sobre as melhores maneiras de cultivar a terra. Em um período de 70 anos, a população cresceu de pouco mais de mil pessoas para mais de dois milhões.
No começo do novo milênio já eram quase seis milhões de habitantes.
Poucos moradores atuais de Hokkaido tiveram de conquistar territórios selvagens.
Mesmo assim, psicólogos estão constatando que o espírito dos pioneiros ainda está presente na forma como eles pensam, sentem e reagem, em comparação com quem vive em Honshu, a apenas 54 quilômetros de distância.
Eles são mais individualistas, orgulhosos, ambiciosos e menos ligados às pessoas que os cercam. Na verdade, quando é feita uma comparação com países, esse "perfil cognitivo" é mais próximo dos Estados Unidos do que do resto do Japão.
Mas a história de Hokkaido é apenas uma em um crescente número de estudos de caso que investigam como o ambiente social molda a nossa maneira de ver o mundo.
Onde quer que estejamos vivendo, um maior conhecimento dessas forças pode nos ajudar a entender um pouco melhor a nossa própria mente.
Universo 'estranho'
Até recentemente, os cientistas ignoravam amplamente a diversidade global do pensamento.
Em 2010, um artigo na conceituada publicação científica Behavioral and Brain Sciences, da Universidade de Cambridge, relatou que a grande maioria dos indivíduos que participavam dos estudos psicológicos tinha um perfil: era "ocidental, educado, de áreas industrializadas, ricas e democráticas".
Usando as iniciais de cada uma daquelas palavras em inglês, surgiu o que o artigo chamou de perfil "Weird", termo que também significa "estranho" na língua.
O perfil "Weird" passou a ser visto como um fenômeno que se espalhou pela psicologia e pelas ciências sociais.
O artigo relatou que quase 70% dos entrevistados eram americanos e, em grande parte, estudantes universitários em busca de algum dinheiro ou de créditos escolares por terem participado das experiências.
A crença implícita era de que esse seleto grupo de pessoas "Weird" poderia representar verdades universais sobre a natureza humana - ou seja, que todas as pessoas são basicamente iguais.
Se isso fosse assim, a visão ocidental não teria tido importância. No entanto, um pequeno número de estudos examinou pessoas de outras culturas e sugere que isso está longe de ser verdade.
"Os povos ocidentais - especificamente os americanos - apareciam no fim dessa divisão", disse um dos autores do estudo, Joseph Henrich, da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.
Individualismo x coletivismo
Algumas das diferenças mais notáveis estavam em torno de conceito como "individualismo" e "coletivismo": até que ponto você se considera independente e autocentrado, ou ligado às pessoas a sua volta, valorizando o grupo mais do que o individual.
De maneira geral - há várias exceções - no Ocidente os povos tendem a ser mais individualistas, e nos países asiáticos como Índia, Japão e China, mais coletivistas.
Em muitos casos, as consequências são exatamente as esperadas.
Quando questionados sobre suas crenças e comportamentos, entrevistados de sociedades ocidentais mais individualistas tendem a valorizar o sucesso pessoal sobre as conquistas do grupo, o que por sua vez é associado com a necessidade de maior autoestima e a busca da felicidade.
Mas essa necessidade de autovalidação - quando somos capazes de nos reassegurar de que o que sentimos é real, importante e faz sentido - também se manifesta no excesso de confiança, com vários experimentos mostrando que os participantes considerados "Weird" superestimam suas habilidades.
Quando perguntados sobre sua competência, por exemplo, 94% dos professores americanos afirmam que são "melhores do que a média".
Pensamento holístico
Essa tendência ao autoelogio parece estar totalmente ausente em vários estudos realizados no leste da Ásia. Na verdade, em alguns casos os participantes subestimaram suas habilidades, em vez de as supervalorizarem.
As pessoas que vivem em sociedades individualistas também dão maior ênfase à escolha pessoal e à liberdade.
Crucialmente, a nossa "orientação social" parece influenciar os mais fundamentais aspectos do raciocínio.
Pessoas que vivem em sociedades mais coletivistas tendem a ser mais holísticas na forma como pensam nos problemas, concentrando-se mais nos relacionamentos e no contexto.
Já as pessoas que vivem em sociedades individualistas tendem a concentrar-se em elementos separados e a considerar as situações fixas e imutáveis.
Um exemplo simples: imagine que você vê a foto de um homem grande intimidando uma pessoa mais baixa.
Sem receber nenhuma informação a mais, os ocidentais são mais propensos a achar que esse comportamento reflete algo essencial e estabelecido sobre o sujeito grande: provavelmente ele é mau.
"Mas se você estiver pensando holisticamente, levará em conta outras coisas que podem estar se passando entre aquelas duas pessoas: talvez o sujeito grande seja o chefe ou o pai do outro", explica Henrich.
E esse estilo de pensamento também se estende à forma como caracterizamos objetos inanimados.
Imagine que alguém peça a você para relacionar dois itens entre as palavras "trem, ônibus e trilho". O que você responde?
Isso é conhecido como o "teste da tríade".
No Ocidente, a resposta vai ser "ônibus" e "trem" porque são dois tipos de meios de transporte.
Uma pessoa com pensamento holístico, por sua vez, responderá "trem" e "trilho", porque está levando em conta o relacionamento funcional entre ambos: uma coisa é essencial para o funcionamento da outra.
Visões diferentes
Até mesmo seu modo de enxergar pode mudar.
Um estudo do olhar, feito por Richard Nisbett, da Universidade de Michigan (EUA), descobriu que participantes do leste da Ásia costumam passar mais tempo olhando o entorno de uma imagem - percebendo o seu contexto -, enquanto nos EUA as pessoas tendem a passar mais tempo concentradas no foco principal da foto.
Curiosamente, essa diferença pode ser vista também em desenhos de crianças do Japão e do Canadá, o que indica que as diferentes maneiras de ver algo surgem numa idade muito precoce.
"Se nós somos o que vemos, e estamos prestando atenção de forma diferente, então estamos vivendo em mundos diferentes", diz Henrich.
Embora alguns pesquisadores digam que a nossa orientação social pode ter um elemento genético, as evidências até agora indicam que a aprendemos.
Alex Mesoudi da Universidade de Essex, no Reino Unido, fez recentemente um perfil do modo de pensar de famílias bengalesas britânicas radicadas no leste de Londres.
Ele verificou que a primeira geração de imigrantes começou a adotar alguns elementos cognitivos mais individualistas e menos holísticos.
Os meios de comunicação perceberam a mudança. "Eles foram mais importantes do que os acadêmicos ao explicar essa transformação."
Mas por que a primeira coisa a mudar foi o modo de pensar?
A explicação mais óbvia é de que isso simplesmente reflete as filosofias que tiveram importância em cada região durante certo tempo.
Nisbett assinala que os filósofos ocidentais enfatizam a liberdade e a independência, enquanto na tradição oriental - como no taoísmo - eles destacam o conceito de unidade.
Confúcio, por exemplo, destacou "os deveres entre o imperador e o súdito, pais e filhos, marido e mulher, irmão mais velho e irmão mais novo, e entre amigos".
Essas maneiras diversas de ver o mundo estão incorporadas na literatura, na educação e nas instituições políticas, por isso não é surpresa ver que tais ideias foram internalizadas, influenciando alguns processos psicológicos muitos básicos.
Ainda assim, a variação sutil entre os países indica que muitos outros fatores também atuam.
Colonização
Consideremos os EUA, o país mais individualista de todo o Ocidente.
Historiadores como Frederick Jackson Turner têm argumentado que a expansão e a exploração do oeste alimentaram um espírito mais independente, já que para sobreviver cada pioneiro americano teve de enfrentar uma região selvagem e mesmo uns aos outros.
De acordo com essa teoria, recentes estudos psicológicos mostraram que nos Estados americanos que ficam no oeste mais extremo, como Montana, o individualismo costuma ser maior.
Para confirmar a chamada "teoria da colonização voluntária", no entanto, os psicólogos examinaram um segundo estudo de caso independente.
Por isso o caso de Hokkaido é tão fascinante.
Como a maior parte dos países do leste asiático, o Japão tende a ter uma mentalidade mais coletivista e holística.
A migração rápida para o norte lembra a corrida para a conquista do oeste selvagem nos EUA. O regime do imperador Meiji contratou agrônomos americanos, como Horace Capron, para ajudar no cultivo da terra.
Se a "teoria da colonização voluntária" está certa, os pioneiros tinham uma visão mais independente em Hokkaido em comparação com o resto do país.
Shinobu Kitayama, da Universidade de Michigan, nos EUA, descobriu que em Hokkaido as pessoas dão mais valor à independência e à conquista pessoal - e a emoções como orgulho - do que os japoneses das outras ilhas do arquipélago. E se preocupam menos com o que os outros pensam.
Os participantes da pesquisa também tiveram que fazer um teste de raciocínio social, no qual foi pedido que dissertassem sobre um jogador de beisebol que usava drogas para melhorar o rendimento.
Enquanto os japoneses das outras ilhas levavam mais em conta o contexto - como a pressão para vencer -, os japoneses de Hokkaido apontaram um suposto problema de personalidade ou de caráter moral do jogador.
Novamente, culpar atributos pessoais é uma característica das sociedades individualistas e se parece muito com a resposta média dos americanos.
'Teoria do germe'
Uma outra ideia é a de que diferentes raciocínios estão envolvidos na reação a germes, por exemplo.
Em 2008, Corey Fincher, da Universidade de Warwick, e seus colegas analisaram dados epidemiológicos globais para mostrar que o nível de individualismo e coletivismo pode ser relacionado à incidência de doenças: quanto mais você estiver disposto a ter uma infecção, mais coletivista você é e quanto menos, mais individualista.
A ideia básica é de que o coletivismo, caracterizado por um maior conformismo e pela deferência ao outro, deveria tornar as pessoas mais conscientes sobre como evitar comportamentos que podem espalhar doenças.
Tem sido difícil provar que as aparentes correlações no mundo real não são causadas por algum outro fator, como a riqueza relativa do país, mas alguns testes em laboratório dão algum apoio à ideia.
Quando os psicólogos estimularam as pessoas a terem medo da doença, elas adotaram modos mais coletivistas de pensar, assim como se adequaram mais aos comportamentos do grupo.
Pensamento e agricultura
Talvez a teoria mais surpreendente seja a de Thomas Talhelm, da Universidade de Chicago, que examinou 28 províncias da China. Ele descobriu que o modo de pensar também parece se refletir na agricultura da região.
Talhelm contou que foi inspirado pelas suas próprias experiências no país.
Ao visitar Pequim, no norte, descobriu que os estrangeiros eram muito mais bem-vindos: "Se eu estivesse comendo sozinho, as pessoas se aproximavam e falavam comigo".
Enquanto isso, na cidade de Guangzhou, no sul, as pessoas eram mais distantes e tinham medo de ofendê-lo.
Essa diferença parecia um sinal sutil de um raciocínio mais coletivista e então Talhelm começou a pensar no que haveria por trás daquelas duas perspectivas.
Elas não pareciam relacionadas a riqueza ou modernização, mas o cientista percebeu que uma diferença podia ser o tipo de cultivo da região: arroz nas áreas do sul e trigo no norte.
"A divisão do plantio é clara ao longo do rio Amarelo", disse Talhelm.
Plantar arroz exige maior cooperação: é um trabalho intensivo e precisa de sistemas de irrigação complexos que interligam várias plantações diferentes.
O cultivo do trigo, por sua vez, dá metade do trabalho e depende mais do regime de chuvas do que da irrigação, o que significa que os agricultores não precisam ajudar os vizinhos e podem se concentrar nas suas próprias plantações.
Mas poderiam essas diferenças se traduzir num raciocínio mais coletivista ou individualista?
Talhelm trabalhou com cientistas chineses e testou mais de mil estudantes em regiões de cultivo de arroz e trigo, usando ferramentas como o teste da tríade do pensamento holístico.
Os pesquisadores também pediram aos entrevistados que desenhassem suas relações com os amigos: nas sociedades individualistas as pessoas costumam desenhar a si mesmas maiores do que os amigos, enquanto nas coletivistas todos são desenhados do mesmo tamanho.
"Os americanos costumam se desenhar muito grandes", diz Talhelm.
As pessoas nas regiões de plantio de trigo atingiram um índice maior de individualismo, enquanto as das áreas de cultivo de arroz apresentaram um pensamento mais coletivista e holístico.
O pesquisador vem testando sua hipótese na Índia, onde também há uma clara divisão entre as regiões de plantio de trigo e arroz, com resultados idênticos.
Quase todas as pessoas entrevistadas não estão diretamente envolvidas no cultivo, claro - mas as tradições históricas das suas regiões ainda estão moldando o seu pensamento. "Existe alguma inércia na cultura", afirma.
Caleidoscópio cognitivo
É importante enfatizar que essas são apenas tendências gerais encontradas em um grande número de pessoas em cada população estudada.
"A ideia de preto e branco - na perspectiva antropológica - não funciona", diz o antropólogo Delwar Hussain, da Universidade de Edimburgo, na Escócia. Ele trabalhou com Mesoudi no estudo da comunidade bengalesa britânica de Londres.
Hussain destaca que há tantas conexões históricas entre países do Oriente e Ocidente que isso vai significar que algumas pessoas ficarão encurraladas entre os dois modos de pensar e que fatores como idade e classe socioeconômica também terão influência.
Faz sete anos que Henrich publicou seu relatório sobre a tendência "Weird", e a resposta dos cientistas tem sido positiva.
Ele está especialmente feliz porque pesquisadores como Talhelm estão começado a fazer grandes projetos para entender o caleidoscópio de diferenças de pensamento. "Você busca uma teoria que explica por que diferentes populações têm psicologias distintas."
Mas apesar das boas intenções, o progresso tem sido lento. Como testar as pessoas em todo o globo consome tempo e dinheiro, a maior parte das pesquisas ainda examina participantes "Weird" em detrimento de uma maior diversidade.
"Estamos de acordo sobre a doença. A questão é qual deve ser a solução", conclui Henrich.